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Todo prato guarda uma história

Publicado em: 02/09/2025

Foto: Reprodução / Blog Águia Branca

Por: Bianca Tápias

 

Um prato de comida pode ser mais do que sustento. Pode ser o fio que nos leva de volta a quem fomos ou um atalho para lembranças que estavam guardadas. Cada garfada traz consigo um enredo: a infância, a rotina familiar, a correria do dia ou a celebração de uma conquista. Comer é mais do que nutrir, é revisitar memórias. E o ato de comer nos atravessa com tanta naturalidade que às vezes esquecemos de reparar nesse poder silencioso de contar histórias.

 

O sabor que volta no tempo

Alguns pratos funcionam como verdadeiras cápsulas de memória. O cheiro de bolo de fubá no forno pode transportar alguém direto à cozinha da avó. O arroz soltinho, acompanhado de feijão bem temperado, desperta lembranças dos almoços de domingo em família, cheios de conversas e risadas. Mesmo as refeições mais simples carregam afeto. Um pão francês com manteiga pode devolver sensações antigas como a pressa da manhã escolar, o lanche improvisado no fim da tarde ou o carinho de quem esperava com a mesa posta.

A comida tem esse poder de atravessar o tempo. O que hoje servimos à mesa, amanhã pode se transformar em memória afetiva para alguém que amamos. Nesse ciclo, cozinhar se mistura com viver e vira um ato simples de semear lembranças.

 

Quando a comida vira tradição

Alguns pratos ultrapassam a esfera pessoal e se transformam em rituais coletivos. No Espírito Santo, a torta capixaba é exemplo disso. Mais do que uma receita, ela é celebração. Um encontro que marca a Semana Santa e reúne famílias em torno da cozinha com ingredientes escolhidos a dedo, cada um com uma função – cortar, mexer as panelas e arrumar a mesa, guardando a memória de gerações que repetem o gesto ano após ano.

O mesmo acontece com a panela de barro de Goiabeiras, outro símbolo. Moldada à mão, queimada no forno, untada com tanino, ela é um pedaço vivo da cultura capixaba. Cozinhar nela é honrar séculos de história, saberes e resistência e como lembra o sociólogo Carlos Alberto Dória, “a gastronomia define nossa identidade tanto quanto os sons do samba, a arquitetura barroca ou a modernista.” Comer é também fazer parte de algo maior.

 

Histórias escondidas no cotidiano

Não só pratos tradicionais contam histórias e não é preciso esperar datas especiais para encontrar narrativas à mesa. Muitas vezes elas estão nas refeições simples do dia a dia. O macarrão alho e óleo da noite corrida fala de praticidade, mas também de cuidado. A banana-da-terra frita, tão presente nas mesas capixabas, traz conforto imediato e um elo com a terra. Até o café coado de manhã pode guardar histórias diferentes. Para uns, é a memória do avô que só tomava amargo e para muitos, é o ritual da pausa que dá sentido ao início do dia. São gestos pequenos, mas cheios de significado.

 

O prato como espelho

Cada prato que nos marca carrega camadas: a pessoal, com memórias íntimas; a cultural, com as raízes do preparo; e a emocional, com o que sentimos ao comer. Camadas essas que, como um espelho, revelam de onde viemos, quais lembranças carregamos e quais tradições escolhemos manter vivas. Essas camadas se misturam como temperos e a servimos com identidade, tradição e sentimento.

 

A força de compartilhar

Talvez o aspecto mais bonito da comida esteja no ato de dividir. Nossas melhores lembranças giram em torno de mesas cheias, pratos passados de mão em mão e conversas longas. Um prato compartilhado é sempre mais do que a soma de ingredientes. Hoje, em tempos de redes sociais, esse gesto de certa forma ganhou novas formas.

Fotografamos pratos, compartilhamos receitas e trocamos vídeos. A mesa mudou de lugar, se expandiu e nos deu acesso a culturas nunca imagináveis antes. E fica apenas a reflexão de que se nessa nova mesa global ainda estamos fazendo história, e se nossos filhos e suas gerações lembrarão das tradições cultivadas e lembranças construídas hoje.

 

E você?

Todo prato guarda uma história e cada sabor traz um pedaço da vida de quem cozinha e de quem come. Acaso, no seu almoço ou jantar de hoje, esteja escondida uma narrativa que você ainda não parou para ouvir. Afinal, qual prato conta a sua história?

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