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O calcanhar de aquiles dos restaurantes

Publicado em: 31/10/2025

Reprodução

Por: Bianca Tápias

 

Abrir um restaurante é, para muitos, a realização de um sonho, mas transformar o prazer de cozinhar em um negócio rentável é um desafio que exige muito mais do que talento gastronômico. É preciso método, planejamento, disciplina e, sobretudo, comunicação. O que se vê na prática, porém, é que boa parte dos restaurantes enfrenta os mesmo obstáculos: falhas na precificação, compras feitas de forma desordenada e uma desconexão entre cozinha e gestão financeira que acaba comprometendo o lucro e a constância da operação.

 

Quando o prato é bom, mas o caixa não fecha

Um dos erros mais comuns está na maneira como se calcula o preço de venda dos pratos,
muitos proprietários e chefs baseiam seus valores apenas no custo da proteína principal, como carne ou peixe, sem levar em conta todos os outros elementos que compõem o prato e, mais grave ainda, o custo operacional do negócio. Um restaurante não vive apenas do que serve a mesa. Há gás, energia, água, folha de pagamento, impostos, encargos trabalhistas e desperdícios que, se não forem incorporados à precificação, transformam qualquer cardápio bem elaborado em um buraco financeiro. O resultado é aquele velho cenário: um salão cheio, mas um caixa vazio.

Essa falta de visão estratégica também se manifesta no setor de compras. É comum ver cozinhas que funcionam em modo de urgência, adquirindo ingredientes de última hora, pagando mais caro e sem o suporte de um ficha técnica bem construída. Isso quebra o controle de estoque, encarece o custo final e ainda coloca em risco a qualidade do que é servido. O planejamento de compras, quando feito com antecedência e baseado em dados reais de consumo, é um dos pilares que garantem a constância de entrega e o equilíbrio financeiro.

 

Comunicação, confiança e constância

A raiz de muitos desses problemas está na comunicação – ou melhor, na falta dela. A cozinha fala uma língua, o financeiro fala outra, e o proprietário, muitas vezes, fica no meio sem entender completamente o que acontece em nenhum dos dois lados. Quando o chef não conversa com o dono, quando o sistema de gestão não integra informações de custo e desempenho, o negócio perde transparência e confiança. O resultado é um ambiente em que decisões são tomadas com base em achismos, e não em dados. O dono desconfia dos números apresentados, o chef se sente desautorizado e o restaurante entra em um ciclo de desalinhamento difícil de romper.

Mesmo quando há uma consultoria envolvida, é comum ver as recomendações ficarem no papel. Mudanças de processo, revisão de ficha técnica, ajustes de cardápio e controle de margens exigem constância e comprometimento, algo que muitos estabelecimentos abandonam no primeiro sinal de dificuldade sem seguir o plano, o negócio volta aos velhos hábitos: improviso nas compras, precificação falha e decisões tomadas às pressas.

No fim, tudo isso se reflete no cliente. A falta de planejamento e de controle interno afeta diretamente a experiência no salão. Um dia o prato sai impecável, no outro falta um ingrediente., o sabor muda e a constância desaparece. E quando o cliente percebe instabilidade, ele não volta.

A gastronomia é, sem dúvidas, uma arte – mas o restaurante é uma empresa. E como qualquer empresa, precisa gerar lucro para sobreviver. Isso não significa apenas cobrar o que o cliente aceita pagar, mas sim cobrar o que cobre todos os custos e garante a sustentabilidade do negócio. Sem essa consciência, o sonho de cozinhar se transforma em um pesadelo administrativo. Planejamento, diálogo e gestão integrada são, portanto, os verdadeiros temperos que mantêm um restaurante vivo, coerente e rentável.

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