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A voz da gastronomia entre ruído e relevância: quando a influência ultrapassa a técnica

Publicado em: 28/11/2025

Foto: Reprodução

Por: Bianca Tápias

 

Nos últimos anos, a gastronomia deixou de habitar apenas em cozinhas profissionais, escolas especializadas e mesas de chefs experientes; ela se expandiu para telas de celulares, tomou conta dos algoritmos e ganhou novos porta-vozes, muitos deles surgidos quase de forma espontânea nas redes sociais. Em diversos aspectos, essa mudança trouxe avanços: ajudou a democratizar o acesso à informação, aproximou o público de restaurantes antes desconhecidos e até contribuiu para dar visibilidade a pequenos negócios que, de outra forma, talvez nunca chegassem a um grande público. Mas, como acontece em toda transformação acelerada, ela também trouxe consigo um fenômeno delicado e inquietante: a popularização da crítica gastronômica feita sem o devido preparo técnico, sem estudo e sem a percepção profunda do impacto que esse tipo de comunicação pode causar.

É um assunto sensível e justamente por isso merece ser tratado com cuidado, sobriedade e respeito a todos os lados envolvidos – inclusive aos inúmeros influenciadores que fazem um trabalho genuíno de divulgação, apoio e celebração da cena gastronômica. O ponto aqui não é desmerecer quem compartilha experiências, mas refletir sobre o peso de quem se coloca no papel de crítico sem o embasamento necessário.

 

A ascensão da crítica instantânea

Com a força das redes sociais, qualquer pessoa munida de um smartphone pode avaliar, recomendar ou desmerecer um restaurante em segundos. O que antes demandava formação, pesquisa, técnicas de degustação e responsabilidade editorial se transformou em conteúdo rápido, emocional e altamente influenciável por parcerias comerciais. Vale reforçar: blogueiros que divulgam restaurantes, contam histórias e geram visibilidade fazem parte de uma engrenagem positiva e importante. O desafio aparece quando se confunde opinião pessoal com crítica técnica, assumindo para si um lugar de autoridade que exige preparo. Assim, alguns se tornam verdadeiros canais de marketing, que exalta casas que pagam pela visibilidade e, muitas vezes, desqualifica outras sem estudo, sem critério e sem consciência do impacto dessas palavras. O problema não é o elogio, nem a crítica, mas a falta de fundamentos.

 

O peso injusto sobre quem carrega formação

Profissionais da área – gastrônomos, chefs, cozinheiros, sommeliers, pesquisadores – passam anos estudando técnicas, história, segurança alimentar, análise sensorial, manejo de ingredientes, gestão e muitos outros aspectos invisíveis ao consumidor comum. Há
ciência por trás da gastronomia. Há método, tradição e comprometimento. Quando opiniões superficiais ganham a mesma autoridade que análises especializadas, cria-se um desequilíbrio: o trabalho sério perde espaço para o entretenimento imediato. E, com isso, surgem julgamentos precipitados que podem afetar reputações construídas ao longo de décadas.

 

É errado ter críticos que não são formados?

Não necessariamente. A crítica gastronômica sempre dialogou com sensibilidade, subjetividade e gosto pessoal. O público leigo tem direito a opinar e sua opinião também é valiosa. Mas existe uma diferença importante entre opinar e autorizar-se a falar com autoridade técnica, como dizer “não gostei” ou afirmar que “o restaurante é ruim”, fazer uma recomendação ou construir narrativas capazes de prejudicar profissionais que dedicam a vida ao ofício.

A pergunta que fica é: devemos aceitar críticas de quem não tem embasamento técnico? Uma crítica pode conter verdade, mas precisa ser interpretada com contexto: quem fala, por que fala e baseado em quê?

 

Influência exige responsabilidade

Ser influenciador, especialmente na gastronomia, deveria ser mais do que buscar engajamento, é assumir consciência do impacto que cada palavra tem sobre negócios, equipes, fornecedores e histórias humanas. Restaurantes não são apenas pratos bonitos no feed, são famílias, roteiros culturais e economia local. Quando a crítica vira espetáculo, perde-se o propósito. Quando vira chantagem ou ferramenta de troca, perde-se a ética. Quando é feito sem estudo, perde-se a seriedade da área.

 

Um caminho possível: convivência com critério

Não se trata de excluir as novas vozes, mas de propor um diálogo mais maduro entre influenciadores, profissionais formados e o público. A crítica pode e deve existir, ela ajuda restaurantes a crescer, a corrigir rotas e a mostrar seu trabalho ao mundo, mas talvez seja a hora de recuperar parte da profundidade que a gastronomia sempre carregou: a de que comer é cultura, é técnica, é sensibilidade, mas, acima de tudo, é responsabilidade.

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