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Há quem olhe para a Libertadores como um torneio de noventa minutos multiplicados ao infinito. Eu prefiro olhar como um grande estudo de caso sobre gestão. Quando se fala em tetra da américa para o flamengo, não se fala apenas de quatro taças. Fala de um projeto que atravessa anos, diretoria, elencos, modas táticas e crises. Ou existe gestão, ou não existe tetra. Simples assim.
No futebol, o senso comum adora reduzir tudo a talento. É o camisa 10 genial, o centroavante decisivo, o goleiro que “salva” o time. Nas empresas, fazemos a mesma coisa. O vendedor estrela, o fundador visionário, o gerente que resolve tudo no braço. Funciona uma temporada. No máximo duas. Para repetir título, porém, a lógica muda. Passa a valer menos o brilho isolado e mais a capacidade de organizar o jogo. E isso se chama gestão.
Pense no caminho de um clube que quer conquistar, manter e ampliar sua hegemonia continental. Ele precisa de uma estratégia clara. Quem queremos ser na américa do sul. De que jeito vamos jogar. Em qual janela de tempo. Quais competições são prioridade. Depois, precisa transformar esse discurso em decisões concretas: política de contratações, venda de jogadores, investimento em base, estrutura de treino, comissão técnica, análise de desempenho. Não é diferente do que uma empresa séria faz quando desenha seu planejamento estratégico, define ICP, revisa portfólio e escolhe em que mercados vai brigar.
Cada campanha de Libertadores vitoriosa é, na prática, um ciclo de gestão bem executado. Existe diagnóstico: onde perdemos no ano passado, que tipo de adversário nos expôs, qual miolo de time não se sustenta em jogo grande. Existe priorização: quem fica, quem sai, onde vamos investir mais, em que vamos cortar. Existe rotina: treinos, rituais de vestiário, análise de vídeo, conversa dura nos dias ruins. E existe controle: metas, indicadores, leitura fria de desempenho. Tudo que um bom conselho de administração cobra de um CEO, um bom clube vencedor cobra da sua diretoria e do seu treinador.
O tetra, no fundo, é um símbolo de consistência. Vencer uma vez pode ser obra de um encaixe feliz. Vencer de novo já é sinal de que existe método. Chegar à quarta conquista exige algo que muitas empresas capixabas ainda estão aprendendo a construir: um sistema que sobreviva a trocas de elenco, mudanças de técnico e oscilações naturais de desempenho. No mundo dos negócios, esse sistema se traduz em processos claros, cultura forte, governança minimamente profissional e uma rotina de gestão que não dependa do humor do dono.
Repare também em outra lição rubro-negra. Para brigar por Libertadores ano após ano, um clube precisa ter coragem de tomar decisões impopulares. Demitir ídolo na hora certa. Vender jogador querido para equilibrar as contas. Trocar um técnico popular por um mais aderente ao projeto. Empresas que crescem passam pelo mesmo ponto de inflexão. Chega uma hora em que é preciso dizer não para o cliente errado, encerrar um produto que já não se paga, mexer em cargos, mexer em sócios, mexer em tudo aquilo que era confortável, mas não leva você para o próximo nível. Gestão é, antes de tudo, a disposição de escolher o longo prazo na frente do aplauso imediato.
Do bar em Vitória onde o capixaba assiste ao jogo, parece tudo simples. A bola entra ou não entra. O atacante decide ou não decide. Só que a bola que beija a rede na final é a ponta visível de uma cadeia enorme de escolhas invisíveis. O mesmo vale para a empresa que “deu certo”. O cliente que fecha contrato hoje é só a parte que aparece de um trabalho que começou meses ou anos antes: diagnóstico bem feito, time treinado, funil organizado, metas claras, rituais de acompanhamento, feedback constante. Quem olha apenas para o gol acha que é sorte. Quem vive a rotina sabe o peso da gestão.
Talvez valha a pena inverter a pergunta. Em vez de perguntar quando virá o tetra, pergunte qual é o seu tetra. O que seria, na sua empresa, um patamar de excelência tão alto e tão consistente quanto quatro libertadores. Pode ser quatro anos seguidos batendo meta com margem saudável. Quatro ciclos em que você cresce faturamento sem perder cultura. Quatro grandes projetos entregues com qualidade, no prazo e com clientes indicando o seu trabalho para outros. O nome você escolhe. O que não muda é o caminho: visão, disciplina e gestão.
Porque, no fim, a Libertadores é um campeonato de mata-mata, mas gestão é campeonato de pontos corridos. Não ganha quem brilha num dia só. Ganha quem é capaz de repetir boas decisões, corrigir rápido as ruins e manter a cabeça fria enquanto tudo em volta pede desespero. É assim em campo. É assim na sua empresa. E, se um dia você levantar o seu “tetra”, pode ter certeza de uma coisa: ninguém vai lembrar dos checkpoints de gestão que você montou pelo caminho. Mas vai ser exatamente por causa deles que você chegou lá.