Foto: Redes Sociais / Fonte: UFES
140 anos do pioneirismo de Afonso Cláudio no livro-reportagem nacional é o título do livro escrito pelo professor José Antonio Martinuzzo, do Departamento de Comunicação Social da Ufes, lançado nesta terça-feira, 31, no Auditório do Centro de Artes, no campus da Universidade em Goiabeiras.
A obra marca o aniversário do clássico da literatura capixaba Insurreição do Queimado, publicado em 1884 por Afonso Cláudio. A pesquisa de Martinuzzo resultou na descoberta do pioneirismo de Afonso Cláudio no estilo livro-reportagem, embora, tradicionalmente, segundo bibliografia específica, considere-se Os Sertões, de Euclides da Cunha, lançado em 1902, como o pioneiro do gênero do Brasil.
Martinuzzo conta a história da Insurreição do Queimado com citações diretas do original de Afonso Cláudio, “uma forma de homenagem ao autor e também um convite à leitura da obra original”, afirma. E complementa: “Afonso Cláudio teve o mais jovem dos líderes revolucionários (Carlos, que sobreviveu ao massacre) como umas das fontes para escrever sua narrativa, inédita a seu tempo, que só mais tarde viria a ser conceituada: o livro-reportagem”.
História
Martinuzzo lembra que a insurreição, ocorrida na localidade de Queimado, atualmente município da Serra, foi uma revolta efetivada por cerca de 200 escravizados, brutalmente sufocada pelas forças imperiais em dois dias.
A rebelião eclodiu em 19 de março de 1849, mediante a frustrada alforria prometida pelo frei Gregório de Bene em troca da construção da Igreja de São José, inaugurada nessa data, após quase quatro anos de obras.
As lideranças foram ferozmente perseguidas. Assassinatos, torturas, condenações à morte e a suplícios públicos, entre outras trágicas imputações aos envolvidos, marcaram o desfecho da insurreição. Dos condenados à morte, Chico Prego e João da Viúva Monteiro foram executados em praça pública na Serra e no Queimado, respectivamente.
De fuga em fuga, conforme conta Afonso Cláudio, “Domingos (Corcunda) e João (Pequeno), Elisiário e seu irmão João morreram no isolamento das montanhas vitimados simultaneamente pela tuberculose e anemia”.
Afonso Cláudio
“Insurreição do Queimado – Episódio da História da Província do Espírito Santo, um dos livros mais importantes da historiografia capixaba, revela o caráter vanguardista de seu autor, Afonso Cláudio de Freitas Rosa, que escreveu o livro aos 25 anos de idade, em plena vigência do escravismo”, conta Martinuzzo.
Também autor de clássicos nas áreas de direito, folclore, literatura e ciências sociais, Afonso Cláudio foi jornalista, advogado, magistrado, escritor e professor. Com a Proclamação da República, tornou-se o primeiro presidente do Estado do Espírito Santo – aos 30 anos. Também foi desembargador (1891-1920) e presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Na Academia Espírito-Santense de Letras, foi o primeiro ocupante da Cadeira Número 1, sendo patrono da Cadeira Número 27.
Nascido em 2 de agosto de 1859, na Fazenda Mangaraí, no então município de Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina, Afonso Cláudio foi batizado, em 9 de outubro de 1859, exatamente na Igreja de São José do Queimado, templo cuja construção está no epicentro da revolta que retrata em seu livro inaugural. No dia do seu casamento, concedeu alforria a todos os seus escravos.
Trechos do livro-reportagem de Afonso Cláudio
Na Serra, “depois de feita a última unção religiosa, Prego de mãos atadas galgou os degraus da escada, seguido do carrasco; em seguida o executor passou-lhe a corda ao pescoço, tendo antes ligado à trave o instrumento mortífero, impeliu o rebelde para o espaço e arrimado à corda cavalgou no pescoço do negro, apoiando nas mãos ligadas os pés para fazer maior pressão. Alguns momentos depois era a corda cortada e atirado no chão o corpo; como, porém, ainda não tivessem cessado as agonias, o executor lançou mão de um madeiro que se achava ao lado da forca e esmagou as partes, o crânio, os braços e as pernas do justiçado”.
“Após a tirania da lei, a selvageria do homem; é assim que se opera a fusão do juiz no aguazil. A manhã conservava-se clara; o sol derramava uma luz abrasadora. Estava feita a missão da justiça: a autoridade sentia-se restituída à amplitude de seu poderio arbitrário. Às janelas abertas desde o começo da execução, mantinham-se em agradável compostura velhos e moços. […] O acompanhamento mortuário parecia triste pela célere terminação da cena. Quantos não sentiam desejos de pedir ‘bis’”.
“João da Viúva Monteiro recebia na povoação do Queimado igual prêmio à sua audácia. […] Nada faltou ao cerimonial mortuário; apenas a multidão foi menos numerosa e os espectadores mais humanos. João sofreu os flagelos da carne e do espírito; triturado, ralado, quase desconjunto, viu na forca o termo das mortificações. Quando o carrasco o impeliu, fez ecoar um ‘ah!’ tão profundo e íntimo que parecia uma saudação à morte, porque o restituía à liberdade do túmulo”.
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