A Electronic Arts, criadora do EA Sports FC (ex-FIFA), foi vendida por US$ 55 bilhões. Mais do que um grande negócio, é um manual de gestão escrito ao longo de quatro décadas. O que explica tanto valor? Decisões consistentes sobre produto, marca, aquisições e modelo de receita.
Em 1982, a EA nasce tratando desenvolvedores como “artistas de software”. Essa escolha cultural — dar status ao talento criativo e colocá-lo no centro — virou vantagem competitiva. Em 1989, a abertura de capital financia a expansão. Em 1991, nasce a EA Sports e, com ela, o conceito de franquias anuais que combinam comunidade, calendário e previsibilidade.
A EA não comprou por moda. Comprou para fechar lacunas estratégicas. Maxis trouxe profundidade em simulação (SimCity/The Sims). PopCap abriu a porta do casual/mobile. Respawn consolidou AAA e live services (Apex). Codemasters garantiu liderança em corrida e licenças globais. Cada aquisição ampliou portfólio, público e tempo de vida útil dos títulos.
Quando a FIFA saiu do nome e a franquia virou EA Sports FC, a base permaneceu. A lição é clara: quem controla a comunidade, os dados e a distribuição controla o negócio. Parcerias são importantes, mas o ativo crítico é a relação direta com o usuário. Como observa Glaucio Marques, Diretor Latam de Games Services da Razer: “No fim do dia, o poder não está na licença ou no rótulo, mas na capacidade de manter a comunidade engajada e fiel à sua plataforma.”
A EA transformou jogos em serviços. Temporadas, passes e conteúdos vivos criam caixa previsível, elevam LTV e amortecem ciclos de hardware. Isso muda a dinâmica de gestão: menos dependência de “lançamento perfeito”, mais foco em retenção, ritmo e operação contínua.
Ao sair do mercado público, a empresa ganha liberdade para investir de forma anticíclica e testar apostas de longo prazo. O trade-off é simples: menos pressão trimestral, mais cobrança privada por execução. Para gestores, é um lembrete de que estrutura de capital também é estratégia.
A trajetória da EA não é sorte de um grande cheque. É o acúmulo disciplinado de vantagens: cultura centrada no talento, aquisições com propósito, marca proprietária e monetização recorrente.
“O caso da EA ensina que escalar com previsibilidade depende de construir ativos proprietários, comunidade, dados e relacionamento direto, que resistem a mudanças de nome, de modelo ou de ciclo tecnológico.” afirma Glaucio Marques.
Toda empresa que quer escalar com previsibilidade deveria responder a uma pergunta simples: qual é o seu “EA Sports” — o ativo que, mesmo trocando o rótulo, preserva base, engajamento e receita?