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Do Instagram para o interrogatório – Quando o Story vira investigação: CPI das BETS

Publicado em: 14/05/2025

Foto: Metrópoles

Por: Renzo Colnago

 

Em Brasília, o Congresso Nacional é palco de uma movimentação política que mistura o tradicional com o emergente: a CPI das Bets. A cena é quase cinematográfica — de um lado, senadores com décadas de experiência parlamentar, do outro, influenciadores digitais com milhões de seguidores nas redes sociais tentando entender os protocolos formais de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No meio dessa colisão de mundos, uma pergunta essencial começa a emergir: os influenciadores são o novo vetor de comunicação entre o povo e o poder?

Antes de mergulharmos nesse cenário curioso, é importante entender os conceitos que formam a base desse debate. CPI é a sigla para Comissão Parlamentar de Inquérito, um instrumento de investigação utilizado pelo Poder Legislativo. Seu objetivo é apurar fatos específicos que tenham relevância para o interesse público. As CPIs têm poder de convocar testemunhas, requisitar documentos, quebrar sigilos bancários e fiscais — uma verdadeira força-tarefa dentro do Congresso, que age com a seriedade e o peso de um processo judicial, mas sob o olhar da política.

E o que são as “bets”? O termo vem do inglês e é uma abreviação informal para “apostas”. Estamos falando das plataformas de apostas online — sites e aplicativos que oferecem jogos de azar, como roletas, caça-níqueis e apostas esportivas. Com promessas de dinheiro fácil e a ilusão de um estilo de vida glamouroso, esses serviços têm crescido de maneira vertiginosa no Brasil, especialmente entre os jovens. Esse crescimento acelerado despertou o sinal de alerta: há suspeitas de irregularidades financeiras, práticas predatórias e até lavagem de dinheiro disfarçada sob o véu do entretenimento digital.

 

Mas onde entram os influenciadores nessa história?

O fenômeno das redes sociais transformou completamente a maneira como nos comunicamos. Um influenciador digital é, basicamente, uma pessoa com grande alcance nas plataformas online — como Instagram, TikTok, YouTube — e que exerce poder real sobre as decisões de sua audiência. Quando um influenciador recomenda um produto, compartilha uma opinião ou mostra um estilo de vida, ele impacta diretamente milhares ou até milhões de pessoas. Naturalmente, as empresas perceberam esse potencial e passaram a investir pesado em parcerias com esses criadores de conteúdo.

E assim, sem muito filtro ou regulação, influenciadores começaram a divulgar sites de apostas, muitas vezes sem informar claramente os riscos envolvidos. A CPI das Bets nasce justamente desse contexto: investigar o possível aliciamento de usuários, inclusive menores de idade, por meio de propaganda disfarçada em conteúdo digital. Vários influenciadores foram convocados para depor, e aí começou um espetáculo à parte.

Diante das câmeras do Senado, figuras como Virgínia Fonseca, conhecida por seus milhões de seguidores e sua influência sobre o público jovem, mostraram-se visivelmente desconfortáveis com o ambiente formal. Algumas vezes, os depoimentos revelaram desconhecimento sobre as implicações legais de suas ações — o que nos leva a uma reflexão profunda sobre o papel da comunicação na era digital.

Foto: Metrópoles

Do lado dos senadores, também há um certo embaraço — mas de outra natureza. Muitos perceberam, talvez pela primeira vez de forma tão clara, que esses influenciadores têm uma capacidade de mobilização e influência muito maior que a de muitos canais institucionais. Um vídeo de 30 segundos no Instagram pode alcançar mais brasileiros do que um pronunciamento em rede nacional. Um “story” tem mais impacto do que muitas campanhas públicas cuidadosamente planejadas.

Estamos assistindo a um ponto de inflexão na política brasileira. A comunicação, há tempos reconhecida como ferramenta estratégica no jogo político, agora ganha contornos ainda mais desafiadores. O monopólio da narrativa pública deixou de estar nas mãos dos meios de comunicação tradicionais e passou a dividir espaço com influenciadores que, muitas vezes, não têm preparo técnico nem formação ética para lidar com temas tão delicados.

Contudo, ignorar esse fenômeno seria um erro grave. A presença dos influenciadores na CPI mostra que os parlamentares estão atentos à mudança de paradigmas. Eles já entenderam que para conversar com a sociedade de forma efetiva, será preciso também compreender — e talvez regulamentar — essa nova camada de comunicação digital.

Esse episódio nos mostra como o Brasil está atravessando um momento de transição importante, em que o legislativo tenta se adaptar ao ritmo de uma sociedade hiperconectada. A CPI das Bets não é apenas sobre apostas. É sobre responsabilidade, influência, regulação e, sobretudo, sobre como construímos pontes entre o mundo político e a população que ele representa.

Que essa ponte seja feita com transparência, educação e ética — pois, no fim das contas, estamos todos apostando no futuro da democracia.

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