Jacqueline Moares. Foto: Divulgação/SESM
De vendedora ambulante, com barraca a poucos metros do Palácio Anchieta, à vice-governadora do Espírito Santo. Agora, Secretária Estadual das Mulheres, Jacqueline Moraes viu a política entrar em sua vida como desdobramento do incômodo com a própria realidade e a de quem estava ao redor, e hoje inspira uma geração de mulheres.
“Minha luta começou pela dignidade ao trabalho e ao direito de trabalhar. Independente se é formal ou informal, era daquela barraca que eu sustentava a minha casa e a minha família”, lembra Jacqueline, que com essa visão fundou a Associação dos Ambulantes para ser voz e organizar os trabalhadores.
A luta pela dignidade levou Jacqueline a descobrir o funcionamento da política por dentro. Conheceu vereadores, voltou a estudar, participou de debates, e a representatividade virou demanda de quem estava ao seu redor. “Eu não desejei ‘quero ser política’. As pessoas foram dizendo ‘você precisa ser nossa representante’. E eu comecei”, conta.
Em 2012, foi eleita vereadora em Cariacica. Anos depois, já filiada ao partido do governador Renato Casagrande, recebeu dele o convite para ser vice na chapa ao Governo do Estado. A chapa saiu vitoriosa e Jacqueline levou a pauta das mulheres, sua prioridade, para dentro da vice-governadoria.
Foto: Divulgação/SESM
O caminho de Jacqueline até o topo não foi isento de dificuldades. Ela carrega, como muitas mulheres negras, a experiência de precisar provar sua competência em dobro. “O primeiro desafio foi as pessoas acreditarem, me darem crédito”, relata.
Ela reconhece que essa resistência começou a ser rompida ainda em sua atuação como vereadora. Mesmo assim, não esconde o sentimento de inadequação, e lembra o que Michelle Obama chamava de “síndrome da impostora”. “Parecia que aquele lugar não era preparado para mim, porque os maiores desafios, por exemplo, de ser servida, de alguém abrir a porta do carro, eram coisas simples, mas que eu não fui forjada na vida para isso.”
Para ela, a falta de espelhos femininos foi outro obstáculo. Afinal, antes dela, a única mulher a governar o Espírito Santo foi Luísa Grinalda, viúva de Vasco Fernandes Coutinho, donatário da então capitania. Ela assumiu o governo em 1589, após a morte do marido. Nas prefeituras a realidade não é diferente: dos 78 municípios capixabas, apenas 2 são comandados por mulheres.
“Meus espelhos são homens. Eu me espelho no modelo de Casagrande fazer política”, relata Jacqueline. Ao perceber essa ausência, surgiu a decisão: ela mesma precisava se tornar esse espelho. E assim, levou a pauta feminina para sua atuação na vice-governadoria, criando espaço institucional para um debate que ainda enfrentava resistências.
Jacqueline Moares e Renato Casagrande. Foto: Divulgação/SESM
Ao optar por não ocupar uma pasta executiva durante a vice-governadoria, Jacqueline liderou o programa “Agenda Mulher Empreendedora”. O objetivo era trazer representatividade às vozes femininas e consolidar documentos norteadores para o futuro da política para as mulheres no estado.
E esse futuro chegou com a criação da Secretaria Estadual das Mulheres, em 2023, sendo Jacqueline a primeira secretária. “Eu lidero agora a construção de uma política pública nova no Estado, que foi implementada pelo nosso governador Casagrande, mas que foi iniciada, de fato, pelos movimentos sociais há mais de 20 anos”, destaca.
A experiência que Jacqueline desenvolveu na vice-governadoria agora sustenta sua atuação como secretária, à frente de uma estrutura que simboliza a consolidação da política de gênero no Espírito Santo. “Hoje estamos com 10 equipamentos de política para as mulheres, centros de referência de combate à violência. A gente precisa ampliar essas pautas para empoderamento, fortalecimento da liderança feminina, inclusão produtiva das mulheres e visibilidade”, pontua a secretária.
Jacqueline Moares no Prêmio Sebrae Mulher. Foto: Divulgação/SESM
Jacqueline tem percorrido o Estado para conhecer de perto a realidade das mulheres capixabas. E o que encontra são redes de mulheres em ação, muitas vezes invisíveis ao poder público.
“O que está faltando é institucionalizar. É o prefeito trazer para a mesa dele e dizer que aqui na minha cidade tem política para as mulheres”, afirma. Ela cita o protagonismo feminino no empreendedorismo, inclusive no meio rural, e observa um fortalecimento do associativismo e da produção coletiva de mulheres em todo o Estado.
No enfrentamento à violência, a Secretaria atua com forças integradas, incluindo a Companhia Maria da Penha. “Hoje temos mais de 14 mil mulheres no Espírito Santo que têm medida protetiva. E o nosso alvo, de fato, é reduzir o feminicídio e o homicídio de mulheres e meninas.” A estratégia inclui cursos de qualificação através do QualificarES Mulher, promoção da igualdade de gênero e difusão de informação nos territórios.
Além disso, Jacqueline considera a importância do diálogo e do compromisso de todos nessa pauta. “Precisamos dialogar mais com os nossos meninos sobre a cultura patriarcal e machista. Isso precisa mudar. A gente precisa criar os nossos meninos com a capacidade de olhar para a mulher não como objeto ou como uma propriedade, mas sim como um ser humano que tem seus direitos, deveres e precisam ser respeitadas”, enfatiza.
Jacqueline percorre tod o Estado para conhecer de peto a realidade das mulheres capixabas. Foto: Divulgação/SESM
Para 2025, Jacqueline conta que uma novidade da Secretaria é a entrega do Kit Mulher Viva Mais, com veículo, data show e notebook para apoiar a estruturação dos OPMs (Organismo de Política para as Mulheres) nos municípios. “As mulheres estão ocupando seus espaços no esporte, na cultura, na arte, na dança, na saúde, na educação. Então, tem que ter alguém que faça palestra com as nossas crianças sobre violência doméstica, que leve o conhecimento da Lei Maria da Penha e das mudanças que essa lei teve”, destaca Jacqueline, citando a conquista do aumento na pena para crimes de feminicídio.
Quando perguntada sobre como quer ser lembrada, Jacqueline afirma: “Como uma voz que, de fato, fala o que pensa, que reverbera, que faz ganhar escala naquilo que eu penso. Uma defensora.”
“O mais me move é olhar para as meninas, para as meninas negras, principalmente, do cabelo cacheado, que estão nos territórios. Que elas possam olhar para mim e sonhar, e falar assim ‘se ela chegou lá de camelô, vice-governadora, secretária das mulheres, onde eu estiver, eu também quero chegar’”, relata Jacqueline, emocionada.
Jacqueline é inspiração para as mulheres capixabas. Foto: Divulgação/SESM
Fora da secretaria e da política, Jaqueline afirma que, nas horas vagas, gosta de pedalar e sentir o vento no rosto, mas não tem tido muito tempo para isso. “Eu gosto de música, eu sou de cantar no karaokê das festas. Mas eu sou aquela desafinada que canta nos karaokês tudo, das festas de família”, conta, aos risos.
Ela também afirma ser uma mulher de fé e não deixa de participar da vida na comunidade. “Eu congrego numa igreja pequenininha lá em Cariacica com 70 pessoas e eu amo ir à Cariacica à noite do domingo para congregar com os meus irmãos”. Além da religião, ela encontra na família um refúgio. “Amo estar com a minha família. Minha família é o meu oásis, onde eu recarrego as baterias”, afirma.
Mesmo não tendo nascido no Espírito Santo – veio desde cedo do estado do Rio de Janeiro – Jacqueline recebeu o título de cidadã capixaba e se considera pertencente à essa terra. “Sou capixaba de coração, capixaba de alma, eu amo o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? A terra das oportunidades. É emocionante pensar nisso”, relata Jacqueline, emocionada ao lembrar a vinda da família para o Estado.
Na voz de Jacqueline, a história ganha corpo, força e representação. Seu percurso é mais do que pessoal, é político e simbólico para muitas outras mulheres que hoje também caminham, sonham e lideram, já não mais sozinhas. Jacqueline é um Orgulho Capixaba!
Jacqueline Moares: Orgulho capixaba. Foto: Divulgação/SESM