News • Gastronomia

O Sabor que volta para Casa

Publicado em: 21/11/2025

Por: Bianca Tápias

 

Há cidades que não apenas nos acolhem, moldam o nosso paladar, nosso afeto e nossa visão de mundo. Muqui, com sua quietude e histórias antigas, suas ladeiras de casarões e culturas pulsantes é uma dessas moradas que costuram pertencimento. No sul do Espírito Santo, o município carrega um precioso título: a maior porção arquitetônica de estilo eclético do país, um museu a céu aberto, mas vivo, íntimo e profundamente humano. É de lá, desse Brasil que guarda tradições com as próprias mãos, que nasce o chef Thiago Correia de Oliveira e também o sabor que mudou sua vida.

Thiago cresceu entre as festas do interior, os encontros comunitários no quintal e o cheiro de comida simples que alimentava muitos. Em sua casa, a cultura era mais do que herança, era resistência. Seu Jarbas Correia, avô de Thiago, era desses homens que transformam afeto em ritual. Apaixonado pela Folia de Reis – manifestação folclórica que atravessa gerações e hoje é tão estruturante no calendário turístico de Muqui quanto o carnaval do Boi Pintadinho – ele fazia da varanda de casa um porto de celebração. E festejar em muqui significa cozinhar, significa repartir.

As folias chegavam a qualquer hora – às vezes pela madrugada – e alimentar o grupo era quase um dever sagrado. Sem dinheiro sobrando, Seu Jarbas recebia dos açougues da cidade ossos com aparas de carne. Em sua cozinha, transformava o pouco em muito: fervia devagar, engrossava com farinha, temperava com aquilo que tinha. Assim nascia a “ossada” , nome carinhoso que ecoou pela infância de Thiago como memória quente. Ele não sabia então, mas aquele caldo dizia mais do que parecia. Era comida de afeto, sim, mas também de sobrevivência, de criação coletiva e de cultura viva. Anos mais tarde, já adulto e chef formado, ele entenderia que cozinhar é traduzir histórias, inclusive as que não foram escritas, apenas vividas.

Thiago com sua irmã e avô Jarbas. Foto: Arquivo pessoal

 

Da cozinha de Muqui às mesas do Espírito Santo

Em 2003, Thiago deixa a cidade natal e chega a Vitória carregando o mesmo ímpeto que marcaria sua trajetória: a inquietação pelo saber. Forma-se em gastronomia, aprofunda-se em química dos alimentos, história da alimentação e, mais tarde, na complexidade técnica da cozinha internacional e contemporânea. Não bastava cozinhar, era preciso compreender.

O conhecimento o leva ao ensino. A partir de 2010, assumiu disciplinas como garde manger, cozinha brasileira, confeitaria, cozinha de criação e étnicas, passando por universidades como Novo Milênio e UVV, além de escolas de gastronomia. Técnico, didático, sensível, amplia fronteiras e forma gerações.

Entre consultorias e cozinhas, deixa sua marca em casas que definem a cena gastronômica capixaba como Figatta, Aleixo, Bistrô 259, Repique, Divino Botequim, Cerimonial Casarão, Posto Texas, Bar Abertura, Hotel Espadarte, entre outros. E, como quem compreende que a gastronomia é também reflexão, concluiu em 2017 um mestrado em Sociologia Política estudando a responsabilidade ambiental no ensino gastronômico. Hoje, como coordenador pedagógico da Grão Escola Gourmet e chef-consultor no Ferrari Eventos, Thiago revê suas raízes para reinterpretar o que o formou.

 

Quando a comida volta para casa

Convidado a palestrar sobre as raízes do sul capixaba, Thiago decidiu revisitar o prato do avô. Não para realizá-lo, mas para entendê-lo. Partiu da ossada, seu primeiro sabor, e ampliou com técnica e ingredientes locais, sem jamais perder o vínculo emocional. O resultado é mais que uma receita, é um reencontro. “Voltei ao passado, me aproximei da minha própria região e espero ter honrado toda a memória de Jarbas Correia!”

A reinvenção do prato é um tributo, mas também uma afirmação: a gastronomia não é luxo, é linguagem, é cultura, é afeto, é sobrevivência e é, sobretudo, memória.

 

A Receita  

Costela Braseada com Crosta de Farinha Amarga, Caldo de Ossos e Tutano, Chouriço e Brotos

(Uma releitura contemporânea de uma história antiga, para servir e sentir Muqui na alma.)

 

Costela braseada e prensada

Ingredientes

● 1kg de costela de boi desossada

● 1 cenoura

● 3 dentes de alho

● 2 colheres (sopa) de extrato de tomate

● 300ml de vinho tinto

● 1 colher (chá) de sal

● Tomilho e alecrim a gosto

● Água até cobrir

 

Preparo

Sele a costela. Acrescente legumes e ervas. Junte o extrato de tomate e caramelize.

Adicione o vinho e reduza pela metade. Cubra com água e cozinhe por 6 horas ou 1h40 na pressão.

Retire a costela, coe o caldo e reduza até ¼ da panela. Misture a redução à costela, coloque em assadeira, cubra com filme, pressione com peso e geladeira de um dia para o outro. Corte em cubos e aqueça no forno.

 

Caldo de ossos e tutano

Ingredientes

● 1,2 kg de ossos de tutano

● 1 cebola picada

● ½ cenoura picada

● 1 alho-poró picado

● 45g de gengibre em lâminas finas

● 1 colher (sopa) de azeite

● 2 litros de água

● Sal e pimenta a gosto

 

Preparo

Refogue os ossos no azeite por 5 minutos. Adicione cebola, cenoura e gengibre. Cozinhe mais 5 minutos. Junto água, alho-poró e sal. Cozinhe por 1h30 em fogo baixo. Coe em pano limpo. Ajuste sal e a pimenta.

 

Salada de brotos

Ingredientes

● Brotos variados

● ¼ cebola roxa em julienne

● 30ml de azeite

● 10ml de suco de limão galego

● 50g de chouriço despedaçado

● Sal e pimenta

 

Preparo

Leve o chouriço ao forno até ficar crocante. Misture brotos e cebola. Tempere com limão, azeite, sal e pimenta.

 

Farofa semi-amarga

Ingredientes

● 15g de manteiga

● 50g de farinha de mandioca

● Sal e pimenta

● Zest de ¼ de mexerica

 

Preparo

Doure a manteiga até caramelar e reserve. Doure a farinha, junte a manteiga, tempere e finalize com o zest.

 

Montagem

Em um prato fundo, coloque um cubo da costela prensada. Sobre o cubo, um pouco da farofa amarga. Adicione a mini salada. Finalize adicionando o caldo.

A receita. Foto: Arquivo pessoal

Recomendadas