Jânia Correia, psicóloga empresarial. Foto: Divulgação
Quando a saúde mental entra para a segurança do trabalho — e transforma o futuro das organizações capixabas
Nos últimos anos, o Espírito Santo tem testemunhado um fenômeno silencioso, mas crescente: o adoecimento psicológico relacionado ao trabalho. Ansiedade, estresse crônico, depressão e esgotamento vêm ocupando espaço nas clínicas, nas empresas e nas estatísticas. Mesmo em ambientes aparentemente seguros, o sofrimento mental tem se tornado rotina entre trabalhadores capixabas.
A nova redação da NR-1, que passa a integrar oficialmente os riscos psicológicos e psicossociais às normas de segurança e saúde ocupacional, representa uma mudança estrutural. Pela primeira vez, fatores emocionais — antes tratados como “assuntos individuais” — passam a ser vistos como riscos reais, exigindo prevenção, monitoramento e gestão.
Mas o que essa transformação significa, na prática, para empresas, lideranças e trabalhadores do Espírito Santo? E como as organizações podem se preparar para esse novo cenário?
Estudos nacionais revelam um panorama preocupante:
• Só em 2024, o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais — o maior número já registrado.
• Esse volume representa um aumento de 68% em apenas um ano, com destaque para ansiedade, depressão e estresse ocupacional.
• Transtornos mentais já figuram entre as principais causas de afastamento no país.
• E, na prática, o sofrimento psicológico deixou de ser exceção: tornou-se parte da rotina de grande parte da força de trabalho.
No Espírito Santo, o cenário segue a mesma tendência. Milhares de capixabas foram afastados recentemente por ansiedade, depressão e estresse relacionado ao trabalho — indicando que o problema é real e crescente também na realidade estadual. Esses dados reforçam a urgência de políticas organizacionais que reconheçam e enfrentem os riscos psicossociais.
A NR-1 estabelece as diretrizes gerais que orientam todas as normas de segurança e saúde no trabalho do país. Com sua atualização, incorporada ao processo de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), a norma passa a exigir que empresas:
• identifiquem riscos psicossociais;
• avaliem seus impactos;
• implementem ações preventivas;
• integrem lideranças, RH e Segurança do Trabalho;
• monitorem indicadores emocionais, comportamentais e organizacionais.
Na prática, isso significa que saúde mental deixa de ser vista como tema opcional — e se torna componente legal da saúde ocupacional.
Para entender o impacto humano e organizacional dessa mudança, ouvimos Jânia Correia, psicóloga empresarial, consultora de RH e especialista em desenvolvimento de lideranças. Com 15 anos de experiência na construção de ambientes mais saudáveis e prevenção de riscos psicossociais, ela observa de perto como o trabalho influencia o bem-estar emocional das pessoas .
Segundo Jânia: “A principal mudança foi o reconhecimento formal da saúde mental como parte da saúde ocupacional. Agora, os riscos psicossociais devem ser identificados, avaliados e prevenidos.”
Ela destaca que problemas como:
• desgaste emocional,
• conflitos constantes,
• liderança despreparada,
• metas abusivas,
• assédio moral,
• falta de clareza nas funções não surgem isoladamente.
São reflexo direto de processos fragilizados, comunicação deficiente e culturas organizacionais que não priorizam pessoas. E reforça:
“Quando RH, Segurança do Trabalho e lideranças atuam juntos, a empresa constrói um ambiente mais seguro, humano e sustentável.”
A mensagem é clara: sem integração, não há prevenção — e sem prevenção, não há saúde mental no trabalho.
O adoecimento emocional raramente começa com um laudo. Ele começa com sinais — pequenos, persistentes e muitas vezes ignorados.
Alguns surgem no corpo: cansaço extremo, alterações de humor, irritabilidade. Outros aparecem no comportamento: medo de opinar, isolamento, dificuldade de concentração.
E há sinais organizacionais: conflitos frequentes, comunicação truncada, pressão incoerente por metas, sensação de desorganização. Esses indícios revelam que algo não está funcionando bem nas relações e dinâmicas da empresa. Observar, escutar e analisar essas mudanças é fundamental para prevenir riscos antes que eles se tornem adoecimentos graves.
O primeiro passo é olhar para dentro. Revisar jornadas, prazos, metas e distribuição de tarefas ajuda a identificar pressões invisíveis que se acumulam no dia a dia. Muitos dos riscos psicossociais nascem justamente da falta de equilíbrio entre demanda e capacidade real de execução.
Em seguida, é essencial escutar. Pesquisas de clima, conversas individuais e canais seguros para desabafos e denúncias são ferramentas valiosas. Quando as pessoas se sentem ouvidas, problemas reais vêm à tona — e a cultura começa a mudar.
Capacitar lideranças também é decisivo. Gestores precisam aprender a lidar com emoções, limites, conflitos e conversas difíceis. Liderança que comunica com clareza e acolhe com responsabilidade reduz tensões e fortalece vínculos.
Integrar Segurança do Trabalho, RH e apoio psicológico reforça a prevenção. A nova NR-1 deixa claro: saúde mental é responsabilidade compartilhada. Por fim, rever metas, processos e fluxos de trabalho traz melhorias imediatas. Ajustes simples — como redistribuir tarefas, ajustar ritmos e equilibrar demandas — já tornam o ambiente mais leve e produtivo.
Empresas que cuidam dos fatores psicossociais colhem resultados sólidos:
• menos afastamentos por saúde mental;
• mais engajamento e produtividade;
• queda nos conflitos internos;
• clima organizacional mais leve;
• maior qualidade nas entregas;
• retenção de talentos;
• relações de trabalho mais saudáveis e humanas.
Investir em saúde emocional não é custo — é estratégia.
A atualização da NR-1 inaugura um novo momento para o Brasil e o Espírito Santo. Ela coloca, definitivamente, a saúde mental no centro da segurança do trabalho. Agora, as empresas precisam ir além do discurso. Precisam olhar para pessoas, relações, processos e cultura.
Precisam reconhecer que o trabalho pode adoecer — mas também pode transformar, fortalecer e inspirar.
Fica a pergunta que orienta o futuro: Que ambiente de trabalho o Espírito Santo quer construir nos próximos anos? Porque a mudança começa agora — na escuta, no cuidado e na coragem de fazer diferente.
Cuidar do que é mais precioso: a saúde física e emocional de quem move este Estado.