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Há dias em que a cozinha parece um anfiteatro pulsante e há outros em que ela se assemelha a um banco de prova onde cada gesto revela quem somos de verdade, e é nesse vaivém de tachos, ideias e personalidades que percebemos que a gastronomia nunca floresce sozinha, já que talento isolado funciona como massa sem fermento: cria-se a expectativa mas não cresce de verdade. A cozinha, essa criatura viva que respira no ritmo das mãos que a conduzem, só alcança maturidade quando entendemos que trabalhar em equipe não é dividir tarefas, é partilhar destino, como quem empurra o mesmo caldo até o ponto de ouro mesmo que todos mexam com colheres diferentes.
Vemos muito o mito romântico do chef intocável que reina no passe como se comandasse um reino cuja coroa lhe pertence eternamente, mas quem vive o calor dos bastidores sabe que estrelismo tem prazo curto, quase como um suflê alto demais que desaba na primeira
mudança brusca de temperatura. O ego até pode acender o fósforo, mas a chama que realmente cozinha é a soma dos esforços, das vozes, das técnicas, das vivências que entram pela porta todos os dias. E é curioso como a cozinha ensina isso sem precisar explicar, pois basta um serviço caótico para entendermos que ninguém chega a sobremesa se o entremetier não se alinhar com o garde-manger e se o confeiteiro não ajustar sua dança ao tempo do restante da casa.

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O que começa a transformar a gastronomia local em algo capaz de dialogar com o mapa inteiro do país é ironicamente essa coragem de sair da nossa bolha, porque bolhas estouram rápido e deixam apenas aquele silêncio constrangido de quem percebe que perdeu tempo demais olhando apenas para o próprio cardápio. Quando abrimos espaço para ouvir quem opera um pequeno delivery na rua de trás, para trocar ideias com quem comanda um bistrô tímido mas genial, para aprender com quem faz fusão improvável que talvez nunca entrasse no nosso menu, criamos uma ponte invisível que sustenta a evolução de uma cena inteira. É quase como temperar um prato que parecia pronto e descobrir que faltava exatamente o toque que vinha da mão de outro cozinheiro.
Não importa o porte do restaurante, cozinha boa não se mede pelo tamanho da fachada, às vezes é dentro de uma operação minúscula que surge a faísca que redefine tendências, enquanto grandes casas encontram frescor justamente ao dialogar com projetos que funcionam sem pompa e sem receio de experimentar. Quando incluímos outros, quando aceitamos que há vários caminhos possíveis e todos podem conviver sem que ninguém precise reivindicar supremacia, permitimos que a gastronomia se torne um organismo plural, vibrante, cheio de arestas interessantes que se tocam, se chocam, se influenciam e se reinventam.
O ato de apoiar o outro sem esperar nada em troca é quase um gesto que desafia a lógica competitiva do setor, mas é justamente esse tipo de ousadia que deixa marcas duradouras. Porque transforma relações, solidifica comunidades, cria movimentos que crescem como massa sob temperatura ideal, lenta e seguramente. E quando o crescimento é compartilhado, os resultados não são apenas eficazes, são sólidos, porque deixam raízes profundas que seguram a cena gastronômica mesmo nos dias em que tudo parece desandar.
No final das contas, trabalhar em equipe na cozinha é entender que o universo da cozinha é vasto demais para caber numa única panela e que o sabor mais impressionante nasce precisamente quando permitimos que o caldo receba contribuições de outras mãos. Abrir espaço para o outro não nos diminui, pelo contrário é o que nos eleva. Na medida que a gastronomia local cresce através dessa troca generosa, ela cria força para vista nacionalmente e até internacionalmente, como um banquete preparado por muitas pessoas que não cozinharam para si mesmas, mas para que todos pudessem provar algo maior.